quarta-feira, 3 de novembro de 2010

O engenho e a arte

Nas vésperas de mais um confronto Europeu, que pode definir o apuramento do Sporting relembro outras noites europeias. O Sporting nunca foi, pelo menos no meu tempo de vida um clube de grande regularidade nas provas da UEFA, com óptimas prestações frente a clubes de igual ou superior valia, mas com desaires inexplicáveis frente a clubes como o Neuchatel, o Casino Salzburg, ou aquele clube turco de nome impronunciável.

Esta inconstância que tantos anos retirou o clube de provas prematuramente, não se deveu a lesões, a más equipas ou a maus treinadores, não foi causada sequer por qualquer gestão de plantel. É fruto e todos o sabem, a uma deficiente preparação psicológica, a uma falta de maturidade colectiva na compreensão do que é uma prova europeia, principalmente nas fases eliminatórias.

O engenho

O desporto, é um espaço onde a única via para o sucesso passa muitas vezes pela superação de adversidades, equipas que contem com a sorte, a facilidade ou a não superação do próprio adversário, são equipas que se preparam em qualquer jogo para poderem ser surpreendidas. Foi o que aconteceu sempre ao Sporting. Como se evita? Não é fácil, nem simples e depende muito de um discurso de permanente insatisfação, mesmo que exista o hábito de vencer, mas penso que passará muito por uma forte consciência de que todos os jogos são a definição de um capital de glória, bem-estar, dinheiro e prestigio que não se pode desperdiçar.

Não há dois jogos iguais, não há duas vitórias iguais, nem muito menos se conseguem golos da mesma forma. O futebol encerra sempre uma série interminável de incertezas, de surpresa e capacidade inesgotável de descobrir novas formas, novos gestos, novos movimentos. Uma equipa que se dispõe a esta leitura, aceitando-a como um permanente desafio à sua performance, poderá muitas vezes estar preparada para recuperar de um golo injusto, para colmatar a ausência de um jogador expulso, até para contrariar a vontade de um árbitro faccioso.

Tudo isto que digo é referido de várias formas, apelidado de “ganas”, de “garra”, de “mística” ou em vocábulo mais intelectual “dinâmica” ou “criatividade”. E tem faltado tanta ao Sporting nos últimos 5 ou 6 anos. Poder-se-á dizer que neste período tem existido défice de talento, ou de arte, a magia que tantos falam, mas nem tudo se explica com a não presença no plantel de um “mágico” (que de facto não tem aparecido) uma vez que a as “artes mágicas” de um onze não podem esgotar-se num único elemento.

A arte

Parece-me lógico que a inspiração para criar beleza no futebol advém sobretudo de uma boa capacidade técnica da equipa suportada por um bom conhecimento entre os jogadores. É impossível, repito, é impossível criar estas dinâmicas com mudanças constantes de jogadores no onze, com a alienação de peças fundamentais de um plantel, com a destruição de espinhas dorsais da equipa a cada ano que passa. Por vezes tudo isto é contrariado e por uma combinação puramente aleatória de dois ou três jogadores novos que fazem uma época atipicamente excelente, ou a queda conjunta de adversários em fases decisivas da competição, surge uma vitória, um troféu. Claro que o acontecimento tenderá a não se repetir e abrir-se mais um enorme hiato até o fenómeno poder acontecer de novo.

Quando o Sporting deixar de compreender o sucesso no futebol como uma sucessão de sortes, como o “acertar” numa ou outra contratação, num ou outro treinador, poderá caminhar para o tal clube com dinâmica de vitórias, como uma instituição com hábito de ganhar. Para isso terá de reunir os dois pontos fundamentais que referi: uma insatisfação permanente (sem recurso a desculpas ou bodes expiatórios!) mesmo quando vence e a estabilidade de recursos humanos, que não me entendam mal, nunca significará a manutenção de activos que comprovadamente não servem os objectivos. Neste sentido deve ser entendida a venda de um jogador titular como uma excepção à regra e não uma oportunidade. Será mais fácil acertar na compra de um jogador se fizermos apenas 2 ou 3 por época, quando se adquirem 10 passes é mais que provável que se falhe pelo menos em metade.

Fica a reflexão, até breve.

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