sexta-feira, 1 de abril de 2011

14 de Maio de 2000

Um tal de Sabry deu-me uma semana de insónias. Todos os dias passava o tempo a tentar tirar a cabeça um jogo que realizaria numa tarde do próximo Domingo. Estava no meu último ano de Faculdade e nem os trabalhos finais me impediam de todos os dias devorar o jornal desportivo na viagem de comboio e autocarro. Tinha sempre o medo de abrir o jornal e aparecer a lesão de um qualquer jogador importante. Podia ser o Acosta, podia ser o Duscher, podia ser Schmeichel, podia até ser André Cruz.

Os dias foram passando e foram muitas as promessas de comparsas sportinguistas de que o bilhete para Vidal Pinheiro estaria garantido por qualquer coisa entre 10 e 18 contos. Disse que sim a 3 ou 4 pessoas que me perguntavam se queria mesmo o bilhete. Queria o bilhete e o resto logo se veria. Chegado a quinta-feira caiu-me um balde de água fria. Nada de bilhetes. Nem um tal de Tó da Costa da Caparica, que me disseram vender o seu bilhete por 30 contos atendia o telefone (devo ter ligado umas boas 30 vezes).

Nessa mesma Quinta-feira assegurei um fantástico lugar numa mesa de uma tasca de afinidade comprovadamente leonina. Seria um final de tarde de Maio em frente ao ecrã e acompanhado de amigos leões e muitas imperiais. Até Sábado foram vários os amigos benfiquistas que me alertavam para as manobras de árbitros, para os prémios especiais do Porto aos vizinhos do Salgueiros, para a necessidade do clube de Paranhos vencer para não descer de divisão. Foi difícil dormir, foi complicado comer, era só Sporting.

No Sábado à tarde entrei em “estágio”. Juntamente com dois amigos “doentes” como eu, fomos a Alvalade só para sentir o clima. Não resultou, não havia ambiente nenhum. Só bancas de vendas de merchandising e os habituais “doentes” que só eram piores do que nós porque estavam lá desde as 8h00 da manhã. De regresso a casa reparei num fenómeno que só teria comparação no Euro 2004, muitas varandas, janelas, estendais e afins sustentavam bandeiras, cachecóis, até peluches do Sporting. Aquilo fez-me entender a grandeza do clube. Éramos muitos mais do que parecíamos.

Sábado adormeci com o Sporting e Domingo acordei da mesma forma. Mas mais calmo. Não quis ler jornais nem ver noticiários, só queria que as horas passassem. E passaram. Na cadeira rangente da tasca, sentei-me, tinha dois cachecóis e a camisola vestida, uma camisola fetiche de patrocínio Castelões. Com aquela tinha perdido um título, mas vingaria hoje o propósito com que a tinha comprado uns anos antes.

As imperiais tiveram um efeito rápido e a confusão na tasca fez-me dispersar o suficiente para só dar pelo começo da transmissão aquando da entrada das equipas. O Sporting precisava de ganhar o jogo. O Porto jogava em Barcelos e só tinha um ponto de desvantagem. O Gil Vicente não parecia ter equipa para roubar a vitória a Jardel e companhia. Ambos os jogos estavam a dar na televisão, por vezes ao mesmo tempo.

Lembro-me da Nossa Senhora de Fátima na mão fechada de Inácio e dos semblantes carregados de André Cruz e Vidigal. O Sporting não jogava bem nem mal, jogava sério. O Salgueiros não jogava, mas corria e lutava. O Porto inesperadamente já estava a perder, mas seria fácil dar a volta. Voltando a Vidal Pinheiro…Livre directo. Como tantas vezes nessa época a esperança estava nos pés de André Cruz. …..não vi nada….só gritos e saltos e coisas pelo ar. Aparentemente a bola tinha entrado. Só à 4ª ou 5ª repetição me apercebi que podia estar próxima a minha primeira festa de um título de campeão. O sentimento foi crescendo à medida que a equipa se soltava em jogo depois de estar a ganhar. Golo de Ayew! Nem achava o jogador nada de especial, mas naquele momento era um Maradona para mim. O Porto empatava a partida em Barcelos, mas a sensação já não ia embora…eu ia mesmo ser campeão! Até ao final do jogo, foram mais 2 golos que confesso só ter visto com olhos de ver no dia a seguir, já só me importava a festa.

Ainda a partida não tinha acabado e já tinha saltado para uma carrinha de caixa aberta, conduzida por alguém que eu não conhecia, onde só os meus dois “doentes” comparsas me eram familiares. Mas eu queria lá saber, naquela hora qualquer um que tivesse qualquer coisa verde na roupa era meu amigo. A segurança com que chegámos à Alvalade foi questionável, naquela caixa aberta deviam estar mais de 30 pessoas aos saltos. Por várias vezes saltámos para a estrada na 2ª circular, para cumprimentar estupidamente os carros que passavam com bandeiras verde e brancas.

No leitor de cassetes da carrinha, os hinos da Juve Leo e a marcha do Sporting eram colocados a tocar no máximo, mas nem assim se ouvia mais do que os gritos Sporting! Sporting! oriundos de todo os lados na estrada. Muito antes de chegar ao Estádio, saímos da carrinha, não dava mais para continuar na marcha lenta que 2 ou 3 kms antes tínhamos iniciado. A polícia obrigava a fazer um circuito entre grades, mas eu queria lá saber de grades! Só queria chegar.

A cintura do estádio tinha centenas ou milhares de loucos como eu. Entre muitos corria a notícia de que a equipa chegaria não ao estádio mas ao Marquês de Pombal. Como chegar lá? Nem sequer concebemos a ideia de apanhar um autocarro ou metro para o centro da cidade. Como muitos outros começamos a caminha para o Campo Grande, Saldanha e só vos posso dizer que eram milhares nas Avenidas, muitos desistiram de lá chegar de automóvel, muitos desistiram ao ver a massa que desfilava em festa pela rua a pé.

Só 2 horas depois chegaria ao Marquês. Mas cheguei a tempo. As recordações da rotunda mais famosa de Lisboa são nebulosas, a falta de comida, cansaço e umas imperiais a mais diluíram na minha memória a festa que fiz. Voltei ainda ao Estádio de Alvalade onde às tantas da manhã, alimentado por 3 ou 4 nougats e um cachorro quente a equipa chegou. As luzes apagaram-se e eu apaguei-me num nó na garganta que só acalmou quando o último jogador entrou em campo. Ao som do “We Are The Champions” abracei-me aos meus “doentes” amigos e fumei um cigarro a pensar nas emoções fantásticas que o Sporting me estava a proporcionar, na imensa felicidade que as pessoas à minha volta sentiam.

O frio daquela noite de Maio não entrava no velho Alvalade, suava de calor ao lado de mais de 70 mil pessoas. Cheguei a casa às 09h00 da manhã, graças ao amigo Januário, o tal condutor da carrinha de caixa aberta, que fez uma digressão por meia Lisboa e arredores. Deixou cada um nos seus destinos. Eu e os meus colegas fomos os últimos. Januário teria ainda de regressar a Torres Novas (ou Vedras, já não me recordo) juntamente com o seu filho que nem ligava ao futebol, mas estava contagiado pela euforia do pai.

Deitei-me nessa manhã com a sensação que o Sporting era enorme, um gigante de alma e coração inabalável, fechei os olhos com a esperança de voltar a sentir tudo aquilo mais vezes. Só aconteceu mais uma vez, mas esse relato fica para outra oportunidade.

Até breve. 

3 comentários:

  1. Caro Violino,

    Como foi bonito esse dia !...
    Primeiro foi a corrida para a Av. Dr. Lourenço Peixinho, em Aveiro. Só a tinha visto assim cheia, de uma ponta à outra, no 1 de Maio de 1974.
    Depois foi o regresso a casa com o Clio sem claxon. De tanto apitar, o pobre queimou.
    Em casa, agarrado à televisão, para ver o que o que o meu amigo viu ao vivo, dei cabo do comando com tanto zapping. Por sorte fiquei na RTP1 que foi até de manhã.
    Grande dia, sim senhor !...
    Quando será o próximo ?!...
    SL

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  2. Esse dia para mim foi lindo. Foi o primeiro título que festejei. Soube-me ainda melhor que o de 2002.

    Andei pelas ruas de Torres Novas até de madrugada. Nunca tinha visto tanto verde na minha vida. Inesquecível.

    E se o senhor da carrinha de caixa aberta era de Torres Novas e do Sporting, era boa gente concerteza. ;)

    SL

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  3. Obrigado por me fazer recordar este dia...

    saint

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