terça-feira, 20 de julho de 2010

Ser grande













A grandeza de um clube pode ser medida de várias formas, em Portugal costumamos usar a régua dos títulos. É real e na verdade é a base de sustentação de qualquer instituição que compete, as vitórias dinamizam a actualidade e trazem adeptos. Mas há mais. Gosto de pensar que os Sportinguistas são mais inteligentes que o senhor de bigode que no balcão da tasca bebe o seu copo de vinho e coçando a orelha com a unha faz comentários sobre o tempo dos 5 violinos.

Ser grande normalmente significa ter muitos adeptos, muitos sócios, uma grande massa de números que movem dinheiro, assistências no estádio, muito merchandising que se estende até ao vinho, corta-unhas e seguros automóveis. Alguns vêem para além do volume e procuram o valor, a cultura e a identidade, quanto a mim esses são os grandes clubes de futebol – as associações de ideias e formas de estar no desporto.

Se pensarmos quais são os clubes grandes do mundo, dificilmente não escolheremos o Flamengo, Boca Juniors, Ajax, Juventus, Barcelona, Real Madrid, Bordéus, Bayern Munique e Manchester United. Na última década têm aparecido outros que sendo ricos e bem geridos não são “grandes”. Clubes como o Chelsea, Zenit, PSV, Dortmund, Lyon e Twente ainda não têm história, mas têm boas gestões financeiras e desportivas. Falta-lhes a cultura e isso vem com a defesa e patrocínio de valores diferentes que os distingam da “multidão” de todos os que ganham.

Em Espanha, França, Itália e Inglaterra um clube de futebol é uma associação de adeptos da mesma região e por isso reflecte a identidade de uma cidade ou província, às vezes com línguas e nacionalidades diferentes e até movimentos separatistas associados (Barcelona, Atl.Bilbao) chega mesmo a haver clubes com identificações políticas (Lazio, Spartak Moscovo).

Em países como Portugal, mais pequeno, clubes como o Sporting não podem depender da sua cidade ou de uma região, seria possível se Lisboa não tivesse outras referências clubísticas, mas a verdade é que nem o Benfica nem o Porto entendem a sua base de “recrutamento” como regional. Precisam do espaço físico e populacional de todo o país.

Na identidade de um clube nacional, cabem demasiadas realidades, demasiados ambientes para poder existir uma homogeneidade que construa sozinha a realidade cultural do clube. Então em que diverge um adepto do Porto, Benfica e Sporting?
Na actualidade apenas a história e os jogadores, a bandeira e a camisola, o estádio e muito recentemente as estruturas comercias desenvolvidas pelas SADs.

Se olharmos num plano sociológico podemos definir um arquétipo de cada clube: o Sporting é um clube nobre, distinto, com valores e que gosta acima de tudo de bom futebol; o Benfica é um clube mais popular, habituado a ganhar e com a necessidade de grandes nomes nos seus plantéis; o Porto é um símbolo da região do Porto, do Norte que gosta de um futebol agressivo e muito objectivo.

Estes arquétipos são cada vez menos claros e visíveis por muitas razões: o Sporting e o Porto também são populares, o Benfica também conta com muitas figuras de faixas sociais ditas mais elevadas, o Porto não tem só adeptos no Norte, etc.

Actualmente, são muito mais subjectivas as razões para uma criança “adoptar” uma preferência clubística. A explicação mais óbvia é que preferirá a equipa que ganha mais aquando da sua percepção do que é o futebol´. Sendo lógica não é a única. A vitória não é a única base de angariação de novos adeptos.

Por tudo isto penso que seja urgente definir o que é o Sporting, o que é a nossa cultura, em que somos diferentes. Depois deste trabalho, temos de definitivamente investir nessa diferença, nessa imagem e projectá-la com novos métodos, adaptando a essência do clube ao futuro. Facebook, twitter, jogos de computador, música, os novos canais de comunicação necessitam de ser dinamizados em função do adepto do futuro, os seus gostos, espaço de acção, facilidade de acesso e convivência.

Nunca poderemos ter um responsável a dizer coisas como “temos de jogar à Porto” ou “investir como o Benfica” ou “o nosso treinador é o Fergusson do Sporting”. Isto é a negação de uma identidade. Pode e deve haver “benchmarking” mas sempre adaptado à nossa realidade e nunca assumido como outra.

De entre toda a trapalhada das últimas épocas, o Sporting tem um projecto que tem servido de bandeira e muitas vezes desconsiderado e maltratado. As escolas de formação de jogadores são hoje uma das mais fortes identidades e instrumento diferenciador do Sporting. Neste momento até é único à escala planetária e isso não é coisa pouca, significa muito e bom trabalho em décadas. Sucessivas direcções investiram e bem nessa diferença e posicionamento. Penso que é chegada a hora de também os adeptos compreenderem a riqueza que têm.

Um dos erros mais comuns dos adeptos é confundir as escolas com fábricas de craques, não o são apesar de darem muito ao futebol nacional e internacional. São acima de tudo espaço de desenvolvimento humano. São, digamos que Faculdades de jogadores de futebol e mais ninguém o consegue como nós. Destas faculdades saem todos os anos jogadores médios, jogadores bons e às vezes grandes jogadores. Não saem de certeza jogadores maus e isso é o sucesso das Academias do Sporting.

Várias notícias dão conta do projecto de internacionalização das Academias, com base em África, Ásia e no futuro América do Norte e Sul. É um desígnio ambicioso, mas que nos deveria orgulhar e ser estimulado com um pouco mais de interesse por parte dos sócios. Em muitos detalhes é fácil de entender que os Sportinguistas olham com alheamento os sucessos da formação o que é errado. Se o projecto for em frente com a segurança que tem tido, num futuro próximo seremos mais conhecidos pelas nossas escolas, do que pelas nossas escassas vitórias. Alguns verão nisso um problema, eu vejo um diferencial que em tudo tem bases fortíssimas para ajudar nas vitórias do futuro.

Clubes como Auxerre, Ajax, Santos e Barcelona tem usado as suas escolas de referência de formas diferentes. Diferem sobretudo na capacidade de manter os seus “canteranos”, no caso do Auxerre muito pouco tempo, no caso do Barcelona, para sempre.

Espero que consigamos no futuro próximo distinguir a árvore da floresta e apostar mais na transição do nossos atletas da formação para o futebol profissional e dar-lhe os instrumentos mentais para não caírem em extremos de confiança, às vezes demasiada, às vezes nenhuma. Um atleta tem a noção das suas capacidades e tenta ultrapassá-las, isso é o que se chama desporto. Temo que estamos a formar “assalariados” e não desportistas nos últimos tempos. A culpa não é só de quem forma, o mundo e os valores mercantilistas da sociedade pressionam demasiado, o dinheiro é tudo, os valores e a verdade não são nada.

Os meus parabéns sinceros aos profissionais que trabalharam e trabalham nas Academias do Sporting. Muito me orgulho que façam ser cada vez maior o meu clube: o Sporting.

Até breve

Sem comentários:

Enviar um comentário